#ExposedMga para um #MaioLaranja

A Constituição Federal brasileira, mesmo que promulgada pouco antes, está em completo alinhamento com o que preconiza a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, de 1989. O Estatuto da Criança e do Adolescente descende diretamente desses documentos. Todos se ocupam, como se sabe, com a proteção de direitos humanos, com destaque para a colocação de toda criança ou adolescente a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Mesmo com esta divisa normativa e obrigatória, o cenário encontrado no Brasil aponta em sentido diametralmente contrário.

Dados recentes, de 2020, compilados pelo último Anuário Brasileiro de Segurança Pública , continuam revelando que a ampla maioria de todas as vítimas de violência sexual no Brasil são crianças da faixa entre 10 e 13 anos (28,5%) seguidas daquelas entre 5 a 9 anos (20,5%), daí passando àquele grupo formado por indivíduos entre 14 e 17 anos (15%), para chegar, ainda entre crianças, àquelas de 0 a 4 anos (11,3%). Disso resulta, por meio de simples cálculo aritmético, que 60,6% das vítimas de violência sexual no Brasil têm de 0 a 13 anos. Continuando nesta mórbida tradição, aponta o estudo que estamos citando que 85,2% dos autores eram conhecidos das vítimas, boa parte parentes. Este percentual é ainda maior se considerarmos pessoas que têm livre acesso a estas crianças, como é o caso dos professores.

Relativamente ao Paraná, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública informa que, para 2020, o Estado ostenta a terceira maior taxa (139,9) de estupros e estupros de vulneráveis de vítimas de 0 a 19 anos por 100 mil habitantes. Fica atrás, apenas, e respectivamente, de Mato Grosso do Sul (187,1/100 mil) e Roraima (151,8/100 mil), ambos Estados, convenha-se, com população muito inferior à paranaense. Para reforçar esses traços, basta verificar que, enquanto Rondônia contabiliza um total de 406 casos, Mato Grosso do Sul conta 921 e o Paraná 2.194.

Do contexto dos dados reunidos praticamente à revelia dos poderes públicos – já que é notória tanto a falta de um sistema unificado de coleta e tratamento desses dados, como a correlata e igualmente inegável subnotificação - se extrai que o crime de que crianças e adolescentes mais são vítimas em nível nacional é justamente o estupro. A faixa etária mais atingida é a que vai dos 10 aos 14 anos, sendo 85% das vítimas do sexo feminino. Ou seja: as maiores vítimas de estupro no Brasil, a rigor não são mulheres, mas meninas.

Em nosso espaço social, como já mencionado, iniciativas de protesto têm se destacado, tendo estudantes adolescentes como protagonistas. Como precedentes importantes às manifestações mais recentes, envolvendo estudantes do Instituto Estadual de Educação de Maringá no último dia 15 de março, registra-se o original movimento, desencadeado já no curso da pandemia de Covid-19 e por meio de redes sociais, reconhecido por #exposedmga . A partir desta hashtag, dois perfis foram criados: um no Instagram e outro no Twitter , nos quais várias experiências de violência sexual praticadas no contexto escolar foram reveladas.

Com este recorte escolar, uma despretensiosa busca na imprensa faz com que vários casos locais venham à tona, envolvendo tanto professores de escolas públicas como privadas.

Tradicionalmente reconhecido como espaço de descoberta e acolhimento de vítimas de violência sexual, a escola não pode, em hipótese alguma, se converter em lugar em que este ou outros tipos de violências se realizem ou sejam invisibilizados.

No atual #maioLaranja, é realmente para se celebrar a realização de uma audiência pública com a temática aqui tratada, justamente no dia 18, reconhecido como dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual infantil. A oportunidade, contudo, deve servir para ir além, especialmente do que se assistiu na audiência pública então realizada na Câmara Municipal de Maringá.

A expectativa de quem percebe problemas tão delicados como este sob o mesmo horizonte das diversas lutas que o avanço civilizacional continua a desafiar, segue sendo de que audiências públicas precisam ser espaços de denúncia e debate. No caso em particular, especialmente para o público destinatário das atenções e correlatas políticas que uma realidade tão antagônica impõe: crianças, e, em razão do maior discernimento natural à idade mais avançada, adolescentes.

A perspectiva preventiva, única capaz de colocar crianças a salvo de toda espécie de violência, deve prevalecer. A invulgar mobilização social que se percebe atualmente deve servir para que se avance na concepção e desenvolvimento de políticas públicas, que, mais uma vez, se revelem capazes de prevenir violações de toda sorte. Para tanto, as organizações e movimentos sociais da região, estão convencidos de que a educação em sexualidade e sobre gênero se inscreve certamente entre as medidas mais eficazes para a proteção de nossas crianças e adolescentes. O fato de serem polêmicas, se por um lado tornam improvável que os retrógrados governos estadual e nacional promovam uma discussão minimamente serena sobre educação em sexualidade, por outro reforçam a urgência para que os órgãos e autoridades da cidade de Maringá se ocupem com celeridade da temática.

Nesse sentido, o momento é mais que oportuno para que o poder público local assuma um papel de protagonismo no desenvolvimento de políticas públicas consistentes e permanentes, na direção de um programa, orientadas a prevenir, acolher e até mesmo investigar os casos de violência sexual praticadas contra crianças no contexto escolar, dentre as quais se inserem a educação em sexualidade, a criação de uma força-tarefa de caráter investigatório, e, quem sabe, a criação de uma ouvidoria própria à temática.

Como já dissemos no último 18 de maio: o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes merece nossa luta!

Marco Alexandre Souza-Serra, pós-doutor em criminologia, é advogado criminal, professor e pesquisador nas áreas de direito, processo penal e direitos humanos.

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