A propósito de uma Ouvidoria de Direitos Humanos

Por Marco Alexandre Souza-Serra

Se concebidos como ideia, os Direitos Humanos encontram-se em disputa, principalmente na atual conjuntura. Trata-se de um campo tático, no interior do qual a assunção de determinada posição produz efeitos importantes diante do contexto cultural atual.

Mais importante do que injunções de um nível mais simbólico, é necessário reconhecer que os Direitos Humanos estão diante de um enorme desafio na contemporaneidade, na medida em que sua violação experimenta um nível a um só tempo agudo e sistemático. Cuida-se de fenômeno que, há não muito tempo, não desfrutaria da aprovação que atualmente recebe de significativa parte da população.

Esta ambiência desfavorável produz efeitos muito concretos, inclusive ao nível local. O incremento atual das violações praticadas contra mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros, indígenas entre outros grupos com direitos mais sistematicamente violados o atestam.

Seja como for, a implantação de um órgão público destinado ao acolhimento, encaminhamento e monitoramento qualificados das cotidianas violações, traduzirá a comunicação, para o conjunto da sociedade, não apenas local, de que o poder público tem compromisso. Menos com ideologias etéreas, insufladas e claramente conspiratórias do que com o conjunto da ordem jurídica em vigor, quer em nível doméstico ou nacional, quer mesmo diante do pródigo cabedal constituído por eminentes tratados internacionais. Concorrerá, evidentemente, para a apuração das responsabilidades e das correspondentes reparações das violações identificadas, podendo aportar, ainda, um nível de segurança de direitos dos grupos mais vulnerabilizados da sociedade nunca ou raramente já vivenciado. Algo que, sem sombra de dúvidas, traduzirá grande avanço, em contraste com o processo regressivo, quase devastador, que os direitos e liberdades fundamentais têm experimentado atualmente no Brasil.

Uma Ouvidoria, tanto mais se popular, de Direitos Humanos, deverá estar aparelhada a distinguir os aspectos que estão na base das violências identificadas. Aspectos menos visíveis mas certamente essenciais à compreensão mais profunda do processo histórico responsável pela produção de uma formação social estratificada, desigual e discriminatória. Nesse sentido, poderá recorrer a procedimentos em que sujeitos coletivos sejam convocados a participar, especialmente visando a prevenção de violações futuras.

Marco Alexandre Souza-Serra
Advogado
Professor e pesquisador nas áreas criminal e de Direitos Humanos
Doutor em direito penal e pós-doutor em criminologia

Anterior
Anterior

Sobre a criminalização da posse de drogas ilícitas

Próximo
Próximo

POR QUAIS RAZÕES É ARRISCADO DEFENDER A PERMANÊNCIA DE UM HOMEM À FRENTE DA DELEGACIA DA MULHER?